O QUE É O TERCEIRO SETOR?

10/05/2022 20:23

Muito se escuta a respeito do terceiro setor e das organizações não-governamentais (ONG’s). Desde qual seria seu papel na sociedade até suas origens, são muitas as informações que não estão claras para a população.

Assim, apresentaremos em 4 pontos a seguir as principais características do terceiro setor, um pouco de sua história e os fatores que contribuíram para a atual disposição dessa esfera de atuação que possui grande importância nos dias atuais.

O QUE É O TERCEIRO SETOR?

A expressão terceiro setor é resultado de uma divisão criada pelos Estados Unidos, em que o primeiro setor é constituído pelo Estado, o segundo setor pelos entes privados que buscam fins lucrativos – ou seja, o mercado – e o terceiro setor é formado pelas organizações privadas sem fins lucrativos prestadoras de serviços públicos (popularmente chamadas de ONG’s). Embora o termo terceiro setor seja o mais utilizado no Brasil, é importante ressaltar que essa divisão pode transmitir uma ideia equivocada, a de que o primeiro setor teria mais importância que o segundo, e o segundo mais do que o terceiro.

O terceiro setor é o conjunto de atividades voluntárias desenvolvidas em favor da sociedade, por organizações privadas não governamentais e sem o objetivo de lucro, independentemente dos demais setores (Estado e mercado) – embora com eles possa firmar parcerias e deles possa receber investimentos (públicos e privados). Um bom exemplo de organização do terceiro setor é o Politize!.

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O MARCO REGULATÓRIO

Ex-ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Gilberto Carvalho, na cerimônia de sanção do MROSC. Foto: Wilson Dias/Agência Brasil (31/07/2014).

Durante anos, o Brasil enfrentou dificuldades na regulamentação das relações entre as organizações do terceiro setor (popularmente chamadas de ONG’s) e a administração pública, pois não existiam normas gerais que regulassem de forma padronizada as parcerias que eram firmadas entre a administração pública e essas organizações. Em outras palavras, não existia uma lei que tratasse especialmente sobre essas parcerias.

Mesmo com a expansão do número de organizações privadas prestadoras de serviço público e o aumento considerável de serviços por elas prestados, as parcerias eram reguladas de forma desigual, baseando-se somente no artigo 116 da Lei de Licitações – que dispõe de forma bem genérica sobre parcerias.

A ausência da norma geral regulamentadora comprometeu durante muitos anos o trabalho realizado pelas organizações do terceiro setor, pois não era possível verificar com transparência as verbas que recebiam, a forma como as entidades prestavam contas para a administração pública e a qualidade dos serviços prestados.

Para resolver a questão da regulamentação das parcerias, foi instituído um grupo de trabalho com número igual de representantes do governo e das referidas organizações, para a elaboração de um marco regulatório que servisse como regra à celebração de parceiras entre a Administração Pública e as organizações privadas sem fins lucrativos prestadoras de serviço público.

Assim, em 01/08/2014, foi aprovada a Lei nº 13.019/2014, conhecida como o Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil (MROSC), que estabelece e regula no âmbito jurídico as parcerias entre a Administração Pública e as Organizações da Sociedade Civil (nome formal atribuído às organizações privadas prestadoras de serviço público), para trabalhar em cooperação mútua em busca de interesse público e recíproco.

A HISTÓRIA DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

Terceiro setor: 4 pontos para qualquer um entender - Politize!
Imagem da Santa Casa de Misericórdia de Santos. Foto: reprodução/novomilenio.inf.br

A primeira entidade sem fins lucrativos identificada na história brasileira foi a Santa Casa de Misericórdia, fundada em 1543, em Santos (SP), com o apoio da Igreja Católica, organização ainda existente nos dias de hoje.

Porém, a formação do “terceiro setor” com o modelo atual, com a participação ativa da sociedade civil em parceria com a Administração Pública, é um resultado do século XX e está intimamente ligada à alteração da forma de se sistematizar as atividades estatais.

Ao longo da história, é possível perceber que a intervenção mínima do Estado, como funcionava o Estado liberal, não era eficaz para garantir as demandas sociais. Além disso, a intervenção estatal máxima, característica do Estado social, também não atendia às necessidades da sociedade civil.

Dessa forma, com a concepção de que a maneira de organizar as atividades estatais deveria ser alterada é que surge o Estado Democrático de Direito, em que, assim como a sociedade civil, a Administração Pública também está sujeita às regras do direito, mais precisamente das Constituições.

Uma das principais características do Estado Democrático de Direito é a grande importância das constituições. Através da Constituição de 1988, conhecida como a “Constituição cidadã”, que garante liberdades concretas, a dignidade da pessoa humana e os direitos fundamentais, o Estado se abriu para a participação ativa da sociedade civil em suas decisões, promovendo uma verdadeira colaboração entre o público e o privado.

A atuação conjunta entre o Estado e a sociedade civil possibilita que os serviços públicos sejam desempenhados de forma mais eficiente, além de tornar a atividade administrativa – os serviços prestados pelo Estado – mais democrática.

O terceiro setor, como indicado anteriormente, formado por organizações privadas sem fins lucrativos, prestadoras de serviços públicos, se ajusta perfeitamente ao contexto do Estado Democrático de Direito, já que é uma das formas em que a sociedade se mostra ativa.

Existem grandes trabalhos prestados por organizações do terceiro setor, como por exemplo: projetos de implantação de programas ambientais realizados pela SOS Mata Atlântica; o projeto de auxílio a empresas que buscam uma gestão socialmente responsável, realizado pelo Instituto Ethos; e os projetos de difusão de educação e cultura realizados pela Inspetoria São João Bosco.

É muito comum também a participação de organizações do terceiro setor na área de saúde, por exemplo, a Associação Saúde Criança – que visa reestruturar famílias de crianças com doenças crônicas e vítimas de discriminação social – e a Organização Médicos Sem Fronteiras, que leva cuidados de saúde para pessoas afetadas por graves crises humanitárias.

PRINCIPAIS FATORES DE DESENVOLVIMENTO DO TERCEIRO SETOR

Vários fatores contribuíram para o desenvolvimento do terceiro setor no Brasil, como a redefinição do papel do Estado, a globalização e a mudança no perfil do mercado.

A redefinição do papel do Estado está intimamente ligada às múltiplas crises, como a crise fiscal (perda de crédito por parte do Estado), crise da forma de administrar o Estado (excesso de burocracia), a perda da confiança na capacidade do Estado em gerar o bem-estar social, fomentar o progresso econômico, resguardar o meio ambiente e melhorar a qualidade de vida da sociedade civil. Diante desses problemas, a solução encontrada foi dar mais espaço à iniciativa privada, mantendo a participação do Estado somente nas atividades em que esta não fosse capaz de desenvolver um papel relevante. O Estado permanece como responsável pela execução das tarefas de interesse geral, mas não é o único responsável, existindo também a contribuição dos entes privados e da sociedade civil através de suas próprias ações. O terceiro setor está ligado à participação ativa da sociedade nas atividades de interesse público.

O surgimento das entidades do terceiro setor nos países em desenvolvimento está ligado tanto à iniciativa de países centrais, agências internacionais e organizações não-governamentais do hemisfério norte, quanto às crises que ocasionaram a redefinição do papel do Estado. A globalização econômica e cultural proporcionou um aprofundamento das relações entre países centrais e países periféricos, o que fica evidente, por exemplo, quando as ONGs do norte global financiam as ONGs do sul global. Basta basear-se no caso do Greenpeace, uma organização não-governamental que atua em vários países.

A mudança do perfil do mercado vem ocorrendo desde que foi tomada consciência a respeito da responsabilidade social das empresas – em que é necessário que ela assuma dentro da sociedade um papel que vá além da geração de riquezas. A empresa passou a ser considerada não mais como um negócio, mas como uma entidade com papel cidadão – ou seja, ela deve ser uma empresa-cidadã. Dessa forma, a empresa assume uma posição proativa de contribuir e encaminhar soluções para problemas sociais. Tal empresa assume um compromisso ético, dedica tempo e recursos materiais para desenvolver o bem comum. A atuação das empresas-cidadãs se baseia normalmente em atividades de utilidade pública por meio da criação de uma fundação ou instituto, colaborando, assim, com o desenvolvimento do terceiro setor.

CONCLUSÃO

O desenvolvimento do terceiro setor pode ser visto como algo bastante positivo para a sociedade, já que se tornou uma grande força econômica, principalmente em relação ao crescimento do emprego de mão-de-obra, formação de voluntariado e geração de renda mediante a oferta de bens e serviços.

Outro ponto interessante que é reforçado pelo terceiro setor é o incentivo à organização da sociedade, pois cada indivíduo consegue defender seus próprios interesses e, assim, os interesses de toda a comunidade podem avançar.

A atuação do terceiro setor propicia uma sociedade civil ativa e participativa, que busca o interesse público e proporciona melhores serviços à comunidade. Além disso, a sociedade civil consequentemente se torna mais engajada e interessada na participação das decisões do Estado.

Referências
– Patrícia Baptista: Transformações do direito administrativo (2003)
– Luísa Pires Monteiro de Castro: O Estado e as entidades do terceiro setor: o controle do compartilhamento de ajustes de interesse público pelo Tribunal de Contas (2014)
– Maria Tereza Fonseca Dias: Terceiro setor e Estado: legitimidade e regulação: por um novo marco jurídico (2008)

LUÍSA CASTRO

Advogada, mestra em direito administrativo com ênfase em terceiro setor. Interessada em filosofia e direitos humanos.